Novos horizontes na aplicação do direito da concorrência: o caso Delivery Hero / Glovo

Notícias20 de junho de 2025
Primeiro precedente da Comissão Europeia contra os cartéis laborais e a utilização anticoncorrencial de participações minoritárias.

Em 2 de junho, a Comissão Europeia anunciou a aplicação de coimas no valor total de 329 milhões de euros à Delivery Hero e à Glovo pela sua participação num cartel no sector dos serviços de entrega de comida em linha.

Em particular, enquanto concorrentes, as duas empresas alegadamente acordaram em não contratar os empregados uma da outra, trocaram informações comercialmente sensíveis e partilharam mercados geográficos. A sanção surge após um processo de acordo, em que ambas as empresas terão cooperado com a Comissão Europeia em troca de uma redução do montante das coimas.

O que é interessante neste caso é o facto de ser a primeira decisão em que a Comissão sancionou um cartel no mercado de trabalho. Por outro lado, é a primeira ocasião em que a Comissão sanciona um acordo anticoncorrencial no contexto de uma participação minoritária de uma empresa concorrente noutra.

Em ambos os casos, a Comissão Europeia oferece-nos algumas mensagens-chave que todas as empresas devem incorporar nas suas acções no mercado.

Por um lado, é indiscutível que a ação contra os acordos anticoncorrenciais nos mercados de trabalho se tornou uma prioridade para as autoridades europeias e internacionais da concorrência.

Em maio de 2024, a Comissão Europeia emitiu um alerta no seu Competition Policy Brief, no qual esclarecia que os acordos de fixação de salários e de não contratação entre concorrentes eram restrições "por objeto" - ou seja, prejudiciais ao mercado pela sua própria natureza.

Desde então, as autoridades de vários países, como a Bélgica, a Finlândia, a França, o Reino Unido, Portugal, os Países Baixos, a Hungria, a Espanha, os Estados Unidos, o Brasil ou a Colômbia, para citar apenas alguns, investigaram e, se necessário, sancionaram comportamentos anticoncorrenciais no domínio laboral.

A aplicação de sanções à Delivery Hero e à Glovo reforça a mensagem de que tanto a Comissão Europeia como as autoridades nacionais tencionam prestar a máxima atenção a eventuais distorções da concorrência nos mercados de trabalho.

Este controlo é particularmente intenso no que se refere aos acordos de fixação de salários e de não contratação entre concorrentes. Mas terá também de ser prestada atenção a questões como a negociação colectiva ou cláusulas de não solicitação e restrições semelhantes em operações de fusões e aquisições, acordos de distribuição ou outros.

Esta é também a primeira vez que a Comissão Europeia sanciona a utilização anticoncorrencial de uma participação minoritária numa empresa concorrente. Em especial, a Comissão concluiu que, durante o período compreendido entre julho de 2018 e julho de 2022 - ou seja, desde o momento em que a Delivery Hero adquiriu uma participação minoritária na Glovo até ao momento em que acabou por adquirir o controlo exclusivo da Glovo - ambas as partes coordenaram e influenciaram o comportamento da outra parte no mercado de forma anticoncorrencial.

Tal como a própria Comissão Europeia salienta no seu comunicado de imprensa, a detenção de uma participação num concorrente não é, em si mesma, ilegal, mas pode ser uma faca de dois gumes.

Com efeito, por um lado, o facto de uma participação minoritária não estar sujeita ao regime de controlo das concentrações e, por conseguinte, a uma autorização prévia, poupa o adquirente a um exame ex ante da operação por parte das autoridades da concorrência. Tal permite que a operação seja realizada mais rapidamente e sem o risco de imposição de condições ou de proibição.

Por outro lado, contudo, esta situação implica um risco mais elevado de comportamento anticoncorrencial, uma vez que o adquirente e a empresa participada continuam a ser concorrentes e devem comportar-se sempre como tal. Em especial, as participações cruzadas entre empresas concorrentes ou a representação de uma delas nos órgãos de direção e de fiscalização da outra aumentam significativamente o risco de comportamento anticoncorrencial. Com efeito, nestes cenários, um concorrente pode ter acesso a informações comercialmente sensíveis do outro ou influenciar a tomada de decisões estratégicas do outro, quando a concorrência efectiva depende precisamente do facto de estas decisões serem tomadas de forma autónoma, na incerteza do que o concorrente fará.

Por último, este caso torna clara a necessidade de as empresas que já têm ou tencionam fazer investimentos minoritários em empresas concorrentes disporem de salvaguardas e protocolos sólidos para controlar o fluxo de informações comercialmente sensíveis e evitar outros tipos de comportamento anticoncorrencial.

Na prática, as empresas devem analisar a conveniência de adotar medidas de confidencialidade reforçadas, acordos de "clean team", levantamento de "firewalls", nomeação de terceiros administradores para gerir a informação, actividades de formação para o pessoal-chave ou outras medidas destinadas a limitar a troca de informações ao estritamente necessário para que o acionista minoritário supervisione o êxito do seu investimento.

Em suma, o sancionamento da Delivery Hero e da Glovo relembra-nos, uma vez mais, a importância de as empresas e os seus assessores adoptarem uma atitude proactiva na revisão recorrente das suas práticas e estratégias, nomeadamente no que se refere aos mercados de trabalho e aos investimentos em potenciais concorrentes, de forma a garantir o estrito cumprimento de uma lei da concorrência em constante evolução e intensamente aplicada.

Artigo escrito por Rafael Piqueras, sócio da ECIJA Madrid, para o El Confidencial.

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