É legal proibir os "Affaires" no trabalho? O caso Nestlé em debate
O recente despedimento de Laurent Freixe, CEO mundial da Nestlé, depois de se ter confirmado que teve um caso não declarado com uma subordinada direta, reabriu um velho debate: podem as empresas proibir ou sancionar as relações sentimentais entre os seus empregados? É legal em Espanha despedir um empregado por violar um código de ética interno que exige a revelação de tais relações, ou mesmo que as proíbe de serem mantidas dentro da empresa?
No sistema jurídico espanhol, não existe qualquer proibição legal de manter uma relação amorosa no trabalho. Pelo contrário, a Constituição espanhola protege a privacidade pessoal e familiar (artigo 18.º do Tratado CE) e garante a não discriminação com base no estatuto pessoal ou social (artigo 14.º do Tratado CE). Além disso, o Estatuto dos Trabalhadores reconhece o direito à dignidade, à privacidade e à não discriminação, também em razão de laços familiares (arts. 4.2 e e 17.1).
O Tribunal Constitucional consolidou a doutrina da proteção da privacidade no local de trabalho, estabelecendo que qualquer interferência empresarial deve ser justificada de forma objetiva, legítima e proporcional (STC 196/2004; STC 39/2016). Assim, uma proibição geral das relações afectivas na empresa seria desproporcionada e contrária aos direitos fundamentais.
No entanto, a jurisprudência admite sanções quando a relação afecta a boa fé contratual, a disciplina laboral ou a imagem da empresa. Exemplo disso é a decisão do TSJ da Catalunha (15 de março de 2024, Rec. 5543/2023), que declarou justificado o despedimento de dois trabalhadores apanhados a manter relações íntimas durante o horário de trabalho, por violação da disciplina e da boa fé contratual. Neste tipo de casos, o que é punível não é a relação sentimental em si, mas o comportamento que afecta negativamente o ambiente de trabalho.
Em contrapartida, o CSM de Madrid (20 de maio de 2015, Rec. 784/2014) declarou nulo o despedimento de uma trabalhadora apenas com base na sua relação com outro trabalhador, por violação do direito à privacidade e à não discriminação.
Assim, a jurisprudência espanhola estabelece que não é legal proibir genericamente as relações sentimentais no trabalho, embora seja possível sancionar condutas específicas que violem a boa fé contratual, gerem conflitos de interesses ou afectem o ambiente de trabalho.
No caso da Nestlé, o despedimento baseou-se na ocultação de uma relação com um subordinado direto, o que implicou a violação de um código interno da empresa. No entanto, transposto para o quadro espanhol, um despedimento baseado exclusivamente neste motivo poderia ser declarado nulo por violação dos direitos fundamentais, com a consequente reintegração obrigatória e pagamento de salários.
Para reduzir os riscos, as empresas devem:
- Comunicar corretamente os códigos internos a todos os trabalhadores.
- Limitar as restrições às consequências objectivas das relações (conflitos de interesses, impacto no clima de trabalho, violação da boa fé contratual).
- Provar danos reais ou comportamentos puníveis para além da mera existência da relação.
Em conclusão, em Espanha não é legal proibir em abstrato as relações sentimentais no trabalho. É possível, no entanto, sancionar as consequências negativas que podem gerar, sempre sob o princípio da proporcionalidade e com fins legítimos. Por conseguinte, as empresas devem conceber códigos internos equilibrados que protejam os seus interesses sem violar os direitos fundamentais.
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