O segredo mais mal guardado do luxo: fábricas chinesas, etiquetas "made in" e uma meia verdade que já não choca

Noticias17 de junho de 2025
O luxo já não se mede apenas pela sua origem, mas pela transparência, qualidade e adaptabilidade num mercado globalizado.

Há coisas que toda a gente sabe, mas que poucos dizem. Como o facto de as calças de ganga mais exclusivas usarem o mesmo algodão que as calças de 20 euros. Ou que muitas celebridades não pagam pelo que vestem nas passadeiras vermelhas. Ou isto: que algum do luxo "made in Italy" ou "French craftsmanship" pode ser fabricado, pelo menos em parte, na Ásia. Não todo. Mas mais do que é admitido.

Não estamos a falar de contrafacções. Trata-se de uma produção legal, controlada, com normas definidas, mas fabricada fora da Europa. E isso, embora já não seja surpreendente, continua a ser uma fonte de desconforto.

Recentemente, circularam vídeos virais que alegadamente mostravam trabalhadores chineses a coserem bolsas de luxo. Sem contexto ou dados, no que parecia ser uma fábrica subcontratada e legal. Mais do que um escândalo, foi um caso de desinformação viral: alimentou preconceitos, mas não forneceu provas. No entanto, reabriu uma questão incómoda: quanto do luxo que compramos é imagem... e quanto é substância verdadeira?

O luxo não é uma categoria jurídica. É protegido como qualquer outro produto: marcas registadas, desenhos, patentes, direitos de autor, segredos comerciais. A diferença não é jurídica, mas concetual.

Por conseguinte, uma imitação - as cópias que abundam no TikTok, AliExpress ou DHgate - não é o mesmo que uma peça de vestuário de luxo legalmente fabricada na Ásia. A cópia é frequentemente ilegal e pode estar ligada à exploração laboral ou a redes ilícitas. Em contrapartida, a produção autorizada em países terceiros obedece a contratos e controlos de qualidade rigorosos.

O fabrico fora da Europa não viola a lei se a propriedade dos direitos e a qualidade forem respeitadas. Este facto é apoiado pelo Acordo TRIPS (1995), que protege a propriedade industrial sem restrições geográficas. A chave não é o local de produção, mas o controlo.

Além disso, convém recordar que nem toda a imitação constitui uma infração. A Lei da Concorrência Desleal em Espanha permite a imitação desde que não cause confusão ou tire partido indevido da reputação de outrem. Imitar sem copiar exatamente, quando não existem direitos registados que o impeçam, não é ilegal.

O rótulo "Made in Italy" ou "Swiss Made" não significa quetodo o processo tenha lugar em Itália. Em Itália, é suficiente que a última transformação substancial - a que confere valor ou forma final ao produto - tenha lugar nesse país. Em Espanha e em França, aplicam-se critérios semelhantes e, na Suíça, para além da montagem final e do controlo, é necessário que pelo menos 60% dos custos sejam gerados em território nacional.

No início da década de 2000, muitas marcas de luxo transferiram parte da sua produção para a China: custos mais baixos, elevada capacidade e eficiência logística. Com o tempo, surgiram também desvios, réplicas não autorizadas e canais paralelos. Algumas marcas reduziram a produção, outras reforçaram os controlos.

Hoje em dia, fabricar na China não é sinónimo de preço baixo, mas sim uma decisão estratégica. Muitas fábricas funcionam com normas comparáveis às europeias. Além disso, a China já não é apenas um fornecedor: representa mais de 25% do consumo mundial de artigos de luxo... e continua a crescer.

Está também a emergir como um criador. A Shang Xia, inicialmente apoiada pela Hermès e agora detida pela Exor; a Icicle, que comprou a Carven francesa; designers como Uma Wang; ou propostas sustentáveis como a NEEMIC, são a prova de que o luxo chinês já não é imitação, mas identidade.

Neste novo mapa, o desafio não está no país de fabrico, mas na proteção da propriedade industrial. O essencial não é o atelier, mas evitar as fugas de design, a sobreprodução não autorizada ou a cópia após a rutura dos contratos. É por isso que as grandes marcas recorrem a auditores, advogados e sistemas de controlo. E a China, por seu lado, reforçou os seus tribunais especializados.

Em plataformas como o TikTok, uma mala falsa apresentada como "excedente de fábrica" pode parecer mais autêntica do que a original. A narrativa tradicional do luxo - origem, exclusividade, património - coexiste com novas ficções digitais que, embora falsas, são credíveis. Isto exige uma nova literacia: aprender a distinguir entre o legal, o real e o viral.

O suposto escândalo não é mais do que o choque entre o mito e a realidade. O luxo não deixou de o ser pelo facto de ser fabricado na Ásia. O que mudou foi a forma como é produzido, como é contado e como é percepcionado.

O desafio já não é escondê-lo, mas sim explicá-lo sem quebrar a ilusão. Porque o segredo mais mal guardado do luxo é também, no fundo, a sua maior força: a sua capacidade de se adaptar sem perder o seu atrativo.

Artigo de Carolina Montero, sócia da ECIJA, publicado em Cinco Días.

Una variedad de ropa colgada en perchas junto a plantas decorativas.

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